terça-feira, 24 de novembro de 2009

Cena IV. Você entende?

(Negro, cabelos grisalhos, as frases pontuadas de berço, num compasso cativante):

Nesses últimos anos, vivi com uma boa mulher, doutor. Eu disse, tu aceita da gente ficar junto um ano? E olha que deu muito certo! Um ano, renovamos o contrato, e foram doze. Todo ano um contrato, mas Deus, agora, levou. Mandei chamar um filho dela em Capanema. Quero dar a herança do rapaz, é de direito, pra amanhã não dizerem o velho ficou com tudo. É pouca coisa, mas serve. Um forno, duas linhas de mandioca, uma porca parida de dez, uma bilheira, bacia, panela e as coisinhas dela. Da casa, compro a parte; casa não, que pobre não tem, choupana. Meu aposento dá de viver, mas, olhe essas mãos, faço um plantio todo ano e, quando chego da roça, sinto uma falta danada, doutor, porque eu gosto mesmo é de mulher, assim, uma companheira que olha pra gente e diz vem cá. Entende, doutor?

(Por um tempo, segurou os olhos e sorriu, lentamente, sem perder o ar cerimonioso).

Um comentário:

Rodrigo Bastos Raposo disse...


É. Entendo.