quarta-feira, 29 de julho de 2009

Nua e crua

Prezado Juarez,

Ao ler a nota "Icatu. E tu?", acerca da louvável iniciativa do colega servidor público, juiz Ferdinando, e da realidade daquela comarca, lembrei-me de trazer ao seu conhecimento uma pequena amostra da realidade enfrentada na comarca de São José de Ribamar, que entendo ser a pior comarca em distribuição de representantes ministeriais em relação à população.

Reconheço que há realidades bem críticas, espalhadas pelo interior do Maranhão, mas, em homenagem à verdade, compartilho as informações que, imagino, não sejam de amplo conhecimento!

O município de São José de Ribamar é, conforme os dados que disponho, o terceiro mais populoso do Estado do Maranhão, precedido apenas por São Luís e Imperatriz, contando com uma população estimada entre 144.001 (cento e quarenta e quatro mil e um) habitantes - instalados em 51.429 (cinquenta e um mil, quatrocentos e vinte e nove) imóveis segundo o SISLOC – Sistema de Referencial Geográfico do SUS – Sistema Único de Saúde – e 163.388 (cento e sessenta e três mil, trezentos e oitenta e oito) habitantes - dados oriundos dos autos do Processo Judicial nº 2006.37.00.003727-2, tramitando junto à 6ª Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal do Maranhão.

Ainda, a área do município de São José de Ribamar totaliza em 436,1 km² (quatrocentos e trinta e seis quilômetros quadrados), equivalente à metade da área da Capital e pouco mais de um terço de toda a ilha de Upaon-Açu, sofrendo com todo tipo de problema intrínseco à desordenada conurbação com as cidades de São Luís e Paço do Lumiar.

Não obstante o impacto de tais números, a Comarca de São José de Ribamar é servida por apenas dois promotores de Justiça, apesar de já ser dotada de três Juízes em exercício e de uma outra Vara (Criada pela Lei Complementar nº 087/2005) por ser instalada ainda em 2009, número insuficiente à demanda existente e demasiado inferior a outras cidades de menor porte populacional, menor volume processual e dotadas de mais Promotores de Justiça, como Timon, Caxias, Açailândia, Bacabal, Balsas, Codó e Santa Inês, dentre outras.

Assim, é um promotor de Justiça para cada 72.000 ou 81.694 habitantes, como queira! Como é possível trabalhar assim?

Trabalhar é possível, mas a qualidade, reconheço, impossível de se produzir como desejado!

Falando em processos, apenas a Vara Judicial em que ora atuo, sem mencionar os feitos em que sirvo perante o Juizado Especial Criminal e a 47ª Zona Eleitoral, tem, em tramitação, 4.995 processos, contando com um inumano e abominável volume de serviço em razão da equivocada superposição de competência, além do desequilíbrio de atribuições ministeriais específicas. E ainda muito se fala em re-adequação de atribuições!!!

Para fins estatísticos, cabe ressaltar que, entre 01.01.1980 e 05.11.2004, a 2ª Secretaria Judicial da Comarca de São José de Ribamar recebeu, via distribuição, 3.849 processos, número que acresceu para 4.388 entre 06.11.2004 e 25.06.2009, na seguinte proporção: 738 novos feitos em 2006, 886 em 2007, 1.187 em 2008 e 503 em 2009 (até o dia 04.06.2009), o que indica uma previsão total, para o ano em curso, de mais de 1.250 novos feitos, com pauta de audiências já alcançando o ano de 2011.

A demanda é portanto, crescente, e, como se não bastassem os feitos judiciais, ainda há que se frisar a atividade extrajudicial, que muito exige a atenção ministerial, sendo certo que apenas a 2ª Promotoria de Justiça, sob meu cargo, conta com quase 300 feitos administrativos, conforme recente relatório encaminhado à administração superior do MP maranhense.

E, pior, tudo isso sem contar o proporcional crescimento do atendimento feito ao público, a agenda de audiências judiciais, os poucos servidores aqui lotados, os parcos recursos técnicos e materiais disponíveis, a risível segurança pessoal, patrimonial e institucional, além das audiências públicas e demais compromissos externos essenciais ao exercício das funções ministeriais, dentre outros.

Portanto, apenas na promotoria em que atuo, quando não estou respondendo pela outra (só há duas PJs), são quase 5000 feitos judiciais, quase 300 administrativos, fora tudo o mais, tendo que atender às demandas de algo em torno de 70.000 ou 80.000 pessoas!

E ainda tendo que responder a reclamações diversas, e até mesmo uma sindicância (já arquivada)!!!

O que fazer diante dessa realidade?

Certamente que há algo a fazer, por alguém, em algum lugar!!! O que não se pode é apenas ver tudo isso piorar!!!

Assim, quero tornar público esses números e expressar minha solidariedade a todos os colegas que, como servidores públicos, sofrem, no seu cotidiano, a tensão entre o querer-fazer e o não-poder-fazer, diante da impossibilidade real imposta pela dura realidade que os cerca!

Os MPs estaduais estão engessados diante de questões administrativas e orçamentárias que somente privilegiam a criminalidade organizada e a ignorância cidadã, para a infelicidade geral dos atuais e futuros habitantes do nosso Brasil!

Um grande abraço,
Carlos Henrique Menezes

(Nosso especial agradecimento ao colega Carlos Henrique por compartilhar essas informações. Elas deveriam sensibilizar um inadiável debate interinstitucional. Fazemos votos para que outras realidades semelhantes venham à luz.)

3 comentários:

Ítalo Gustavo disse...

Eu temo pela inércia tanto do MP quanto do Judiciário, porque se isto se perpetuar corre-se o risco de se desjudicializar cada vez mais a justiça. O processo de desjudicialização da justiça é um perigoso retrocesso civilizacional.
Além disso corre-se o risco da privatização de segmentos importantes da justiça. Por isto é tão importante o posicionamento de certos juízes que se aproximam da população para legitimar suas cobranças como é o caso do Dr. Ferdinando Marco.
Acesse o blog notasjudiciosas.wordpress.com

Carlos disse...

Prezado Juarez,

em relação ao post anterior, além do sistema TQQ, há outros mais modernos, como o QQ (quando quiser) e o vanguardista SQ (se quiser). Já tem gente optando pelos dois (o TQQ - terça, quarta e quinta - já está obsoleto).

Abraço.

Carlos Menezes disse...

Com a "volta" da Resolução 02/2009-CPMP, a coisa vai piorar, pois as atribuições ministeriais foram alteradas, aumentando ainda mais o desequilíbrio na atuação funcional!
Isso, sem falar na lesão à inamovibilidade!
Como promover a Justiça que não existe?