Dezenove anos de Estatuto da Criança e do Adolescente
Themis Maria Pacheco de Carvalho*
Tem sido um hábito em todo o mundo, servir-se, ilegitimamente, o legislador do Direito Penal para produzir efeitos simbólicos na sociedade. Criar novos tipos penais ou exacerbar as penas das condutas já existentes é matéria recorrente sempre que ocorre algum fato que mereça especial atenção da mídia e cause comoção popular. E o ECA tem sido vítima freqüente dessa prática.
Assim, no momento em que o Estatuto da Criança e do Adolescente completa 19 anos, em 13/07, os juristas comprometidos com os ideais da moderna política criminal não podem ficar alheios a uma discussão que é sempre presente: a redução da maioridade penal. Das propostas existentes no Congresso Nacional destacam-se algumas bem exóticas, como por exemplo, a que sugere deixar ao arbítrio do Juiz a decisão acerca de em que legislação deve ser enquadrada a conduta do infrator menor de dezoito anos, se no Código Penal, sujeitando-o assim às penas nele previstas ou se deve ser de acordo com o previsto no ECA. Aqui, defende-se sejam derrogados não só o artigo 1º, do Código Penal Brasileiro que diz: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem previa cominação legal” como também o artigo 5o, inciso XXXIX da Constituição Federal de igual teor. De uma só vez propõe o legislador acabar com os princípios da legalidade e da anterioridade penal, garantias não para o delinqüente, mas para todos os cidadãos.
Recentemente foi rejeitada na CCJ do Senado uma emenda de autoria do Sen. Magno Malta que previa a imputação, como se adultos fossem, de adolescentes autores de crimes considerados hediondos. Uma outra proposta de emenda à Constituição está pronta para votação, aquela que permite que menores de dezoito anos sejam processados como adultos, caso uma junta médica os considere capazes de serem responsabilizados criminalmente.
Sempre existem motivos capazes de justificar a recorrente discussão da redução da maioridade penal e, por isto, temos que estar diuturnamente alertas.
O interesse em responsabilizar penalmente os menores de dezoito anos, autores de atos infracionais, revela não só a absoluta ignorância dos legisladores que se guiam pelo senso comum e desconhecem que o Estado deve ter políticas públicas que busquem o controle do crime, que busquem a inclusão social de crianças e adolescentes e, não apenas a inclusão penal destes; que reconheçam que o Estado deve buscar o respeito aos direitos constitucionalmente assegurados e cuja inércia o torna – o Estado - corresponsável pelos atos infracionais praticados pelos adolescentes, adolescentes estes que apenas são vistos e lembrados quando cometem atos infracionais. Alguns legisladores, e governantes, optam por ofender a dignidade de adolescentes ao fazer uso de uma política de criminalização da pobreza, destituída de qualquer conteúdo ético, jurídico e moral, ignorando que são igualmente responsáveis pelas condutas por eles praticadas.
O que legitima a intervenção penal não é o sentimento de vingança que parece ser o que motiva o legislador pátrio, mas sim, a manutenção da ordem social. A pena aplicada, no caso medida de internação, deve ter motivos utilitários e jamais pode ser meio para apenas inocuizar o menor infrator, afastando-o do convívio social sem qualquer preocupação quanto ao seu futuro.
Tratar o autor de certos delitos como inimigo e, legitimar a existência de um Direito Penal de emergência, com vigência excepcional e aplicação diferenciada, rompe com os fundamentos de um Direito Penal garantista vigente no Estado Democrático de Direito, rompe com um Direito Penal que não pode perder seu caráter fragmentário, de ultima ratio, para converter-se em um Direito Penal expansivo e não fundado no principio da legalidade penal.
Diminuir a maioridade penal, não é atitude capaz de impedir que pessoas – jovens - com ânimo de delinqüir o façam. A pena, em qualquer das suas vertentes, não tem cumprido com sua função de prevenção geral principalmente pelo fato de que as decisões judiciais são tardias e incertas. É dado cientificamente comprovado que somente 5% das condutas ilícitas têm resposta do sistema penal. Com esta certeza contam não só os adolescentes autores de atos infracionais, como também os delinqüentes de colarinho branco, os corruptos que sonegam impostos, que fraudam concorrências públicas e fazem discursos moralizadores.
Nós, que temos responsabilidade penal e social, não podemos aceitar a provocação e somar aos que pregam o terror penal com políticas de tolerância zero, com a aplicação de penas de duração indeterminada e com a redução da maioridade penal.
Um Direito Penal Simbólico se caracteriza por ausência dos objetivos político-criminais fundamentadores da pena de prisão, não oferecendo segurança jurídica as alterações legislativas feitas com fins eleitoreiros. O Estatuto da Criança e Adolescente, como posto, é perfeito para punir os adolescentes autores de atos infracionais, cabendo ao Estado cumprir com sua promessa de justiça social e ser não apenas um Estado penal, mas principalmente, um Estado social, afinal não somos nós um Estado social e democrático de direito?
*A autora é Procuradora de Justiça, Coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público do Maranhão.
Themis Maria Pacheco de Carvalho*
Tem sido um hábito em todo o mundo, servir-se, ilegitimamente, o legislador do Direito Penal para produzir efeitos simbólicos na sociedade. Criar novos tipos penais ou exacerbar as penas das condutas já existentes é matéria recorrente sempre que ocorre algum fato que mereça especial atenção da mídia e cause comoção popular. E o ECA tem sido vítima freqüente dessa prática.
Assim, no momento em que o Estatuto da Criança e do Adolescente completa 19 anos, em 13/07, os juristas comprometidos com os ideais da moderna política criminal não podem ficar alheios a uma discussão que é sempre presente: a redução da maioridade penal. Das propostas existentes no Congresso Nacional destacam-se algumas bem exóticas, como por exemplo, a que sugere deixar ao arbítrio do Juiz a decisão acerca de em que legislação deve ser enquadrada a conduta do infrator menor de dezoito anos, se no Código Penal, sujeitando-o assim às penas nele previstas ou se deve ser de acordo com o previsto no ECA. Aqui, defende-se sejam derrogados não só o artigo 1º, do Código Penal Brasileiro que diz: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem previa cominação legal” como também o artigo 5o, inciso XXXIX da Constituição Federal de igual teor. De uma só vez propõe o legislador acabar com os princípios da legalidade e da anterioridade penal, garantias não para o delinqüente, mas para todos os cidadãos.
Recentemente foi rejeitada na CCJ do Senado uma emenda de autoria do Sen. Magno Malta que previa a imputação, como se adultos fossem, de adolescentes autores de crimes considerados hediondos. Uma outra proposta de emenda à Constituição está pronta para votação, aquela que permite que menores de dezoito anos sejam processados como adultos, caso uma junta médica os considere capazes de serem responsabilizados criminalmente.
Sempre existem motivos capazes de justificar a recorrente discussão da redução da maioridade penal e, por isto, temos que estar diuturnamente alertas.
O interesse em responsabilizar penalmente os menores de dezoito anos, autores de atos infracionais, revela não só a absoluta ignorância dos legisladores que se guiam pelo senso comum e desconhecem que o Estado deve ter políticas públicas que busquem o controle do crime, que busquem a inclusão social de crianças e adolescentes e, não apenas a inclusão penal destes; que reconheçam que o Estado deve buscar o respeito aos direitos constitucionalmente assegurados e cuja inércia o torna – o Estado - corresponsável pelos atos infracionais praticados pelos adolescentes, adolescentes estes que apenas são vistos e lembrados quando cometem atos infracionais. Alguns legisladores, e governantes, optam por ofender a dignidade de adolescentes ao fazer uso de uma política de criminalização da pobreza, destituída de qualquer conteúdo ético, jurídico e moral, ignorando que são igualmente responsáveis pelas condutas por eles praticadas.
O que legitima a intervenção penal não é o sentimento de vingança que parece ser o que motiva o legislador pátrio, mas sim, a manutenção da ordem social. A pena aplicada, no caso medida de internação, deve ter motivos utilitários e jamais pode ser meio para apenas inocuizar o menor infrator, afastando-o do convívio social sem qualquer preocupação quanto ao seu futuro.
Tratar o autor de certos delitos como inimigo e, legitimar a existência de um Direito Penal de emergência, com vigência excepcional e aplicação diferenciada, rompe com os fundamentos de um Direito Penal garantista vigente no Estado Democrático de Direito, rompe com um Direito Penal que não pode perder seu caráter fragmentário, de ultima ratio, para converter-se em um Direito Penal expansivo e não fundado no principio da legalidade penal.
Diminuir a maioridade penal, não é atitude capaz de impedir que pessoas – jovens - com ânimo de delinqüir o façam. A pena, em qualquer das suas vertentes, não tem cumprido com sua função de prevenção geral principalmente pelo fato de que as decisões judiciais são tardias e incertas. É dado cientificamente comprovado que somente 5% das condutas ilícitas têm resposta do sistema penal. Com esta certeza contam não só os adolescentes autores de atos infracionais, como também os delinqüentes de colarinho branco, os corruptos que sonegam impostos, que fraudam concorrências públicas e fazem discursos moralizadores.
Nós, que temos responsabilidade penal e social, não podemos aceitar a provocação e somar aos que pregam o terror penal com políticas de tolerância zero, com a aplicação de penas de duração indeterminada e com a redução da maioridade penal.
Um Direito Penal Simbólico se caracteriza por ausência dos objetivos político-criminais fundamentadores da pena de prisão, não oferecendo segurança jurídica as alterações legislativas feitas com fins eleitoreiros. O Estatuto da Criança e Adolescente, como posto, é perfeito para punir os adolescentes autores de atos infracionais, cabendo ao Estado cumprir com sua promessa de justiça social e ser não apenas um Estado penal, mas principalmente, um Estado social, afinal não somos nós um Estado social e democrático de direito?
*A autora é Procuradora de Justiça, Coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público do Maranhão.
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