Do colega Sandro Pofahl Bíscaro, promotor de justiça em Imperatriz:
"Os questionamentos acerca das licenças dos magistrados provocaram frisson nos últimos dias, mas isso somente ocorreu por conta do surgimento de instrumentos trazidos pela internet, que democratizaram a informação.
O fato é que a informação, popularizada e em tempo real, causa efeitos com os quais ainda não nos acostumamos. Hoje tudo se transforma muito mais rápido.
Dez anos atrás, tais questionamentos seriam absolutamente inviáveis: sem publicidade, não teriam potencialidade. Já imaginou fazê-los via carta selada e datilografada? No máximo receberiam algumas galhofas, talvez uma representação.
Mas hoje, por que foram todos respondidos? Porque a informação está definitivamente democratizada e, por consequência, permitindo controle. Sim controle! Algo que as autoridades públicas, especialmente aquelas ligadas à justiça, ainda resistem, quando poderiam aproveitar para depurar o sistema, extirpando dele situações que só contribuem para manchar nossa imagem. Ou alguém acha que a sociedade civil se convenceu com as três respostas apresentadas? Ou que, ao menos, acreditou que as licenças concedidas foram realmente fundamentadas em situações de casamento (inc I, art. 66 do RITJ-MA), falecimento de parente (inc. II), ou algo análogo (relevante) fora da capital do Estado (inc III)? Mais, quantas vezes se repetiram esses oito dias? Não sejamos inocentes (para usar de eufemismo). Também não vamos aqui permitir elucubrações hermenêuticas para justificar o fato, que só contribuirão para linchar o cadáver.
O problema parece não estar na socialização das nossas agruras, mas no temor em reconhecê-las, discuti-las e, principalmente, resolvê-las. Sabe aquela história do marido que vê na esposa o problema da sua vida e vai pro bar tomar uma cana? Ou da mãe que insiste em dizer que seu filho é levado para o mau caminho pelas amizades? Pois bem, em nosso caso, o culpado é o blog! Por isso tanta revolta disfarçada de expressões como “blogueiros”, “fogo amigo”, “superexposição”, etc. Pois foi ele quem tirou a nossa cana, apontou nossos vícios e mostrou a toda vizinhança que aquele paizão é bem diferente daquilo que parecia. Ele bebe, bate e trai a mãe, gasta demais, faz acepção entre filhos, e por aí vai.
É bem verdade, porém, que nós, seres humanos, temos grande dificuldade em aceitar nossas mazelas. Por isso preferimos negá-las, transferi-las a terceiros ou buscar o ópio para distrair a dor. O problema é o resultado disso a médio e longo prazos. Temos que enfrentar e resolver as querelas que batem à nossa porta, mesmo correndo o risco de errar, pois pior que decidir mal é não decidir. E nesse ponto é interessante observar o quanto somos impregnados pela cultura política provinciana e míope que ainda muito influencia nosso Estado e, pior, é proporcional à classe social. Não conseguimos aceitar diferenças ideológicas e insistimos em viver em castas voltadas apenas aos seus membros. Quase todo debate é imediatamente fulminado pelas teses da perseguição, ou da partidarização - “ele diz isso porque é de ‘A’, ou de ‘B’”. Isso quando o debate não é alvejado pelo argumento do tipo “na magistratura tem licença imoral... mas no MP também tem”, aí todo mundo aplaude... como se um round fosse vencido. Que pena. É um efeito do ópio.
Não percebemos que somente o bom debate entre os bem diferentes, que o exercício da dialética tese, antítese e síntese, pode nos aproximar do equilíbrio. Na verdade, é nesse momento que aferimos nossa maturidade democrática, política e, quiçá, emocional.
Sucede que o bom debate depende de um locus. Acho, inclusive, que as instituições deveriam fomentá-lo. No MP sumiram com o Fórum Permanente. Na verdade, querem que tudo permaneça como está. Ou alguém acha que “espeto de pau”, TQQs e, agora, a tal licença, ganhariam corpo se não fossem as campanhas sistêmicas dos blogs? Certo mesmo é que até o debate entre candidatos a PGJ nasceu do blog.
O espaço, o locus blog é a única coisa que resta àqueles que ainda mantêm a virtude da indignação. Resta-lhes, portanto, apenas o exercício da manifestação do pensamento (art. 5º, inc. IV, da Constituição). E nada melhor do que manifestar esse pensamento perante a sociedade, na esperança de que ela, sociedade, “adote as providências cabíveis” quanto a essa quantidade de heresias praticadas pelos reis, já que nós não as adotamos."
2 comentários:
Me senti muito contemplada com o viés dado ao texto: controle social. O Blog é um espaço para dar outros sentidos às palavras "direito" e "cidadania". E o controle social é a melhor ferramenta para cobrar o compromisso com a democracia.
Alda Queiroz
Imperatriz-MA
Concordo integralmente com o Promotor Sandro Bíscaro: a rede mundial de computadores e suas ferramentas (sites, blogs, redes de relacionamentos, etc) subverteu a ordem para trazer outro prisma à cidadania, inaugurando novos espaços democráticos de debates, onde não há lugar para a censura.
Realmente, a culpa não é do Blog! Todos nós temos que aprender a conviver com os novos meios de expressão da opinião, mesmo porque tais meios alargaram o conceito de controle social.
Com base nisso, bem como ciente de que o autor do blog é defensor ardoroso da livre manifestação do pensamento, solicitamos que as respostas dadas pelo Tribunal de Justiça, Corregedoria Geral da Justiça e AMMA fossem publicadas da mesma forma que os questionamentos sobre as licenças concedidas aos magistrados a fim de que houvesse verdadeiro equilíbrio no debate.
Agora, no mundo pós-moderno, onde a rede mundial de computadores surge como mais um mecanismo de expressão do pensamento, atingindo público antes inatingível, também temos que aprender a aceitar opiniões diversas, pois o contrário seria verdadeira afronta à democracia e enorme retrocesso.
Assim, agradeço enormemente ao autor do blog pela demonstração democrática em publicar as respostas por ele solicitadas e de pronto respondidas pela Presidência do Tribunal de Justiça, Corregedoria Geral da Justiça e AMMA.
Todavia, apesar de defender que o Promotor Sandro Bíscaro exerça integralmente seu poder constitucional de livre manifestação do seu pensamento, não poderia deixar de externar nossa tristeza pelo tom demagógico que deu ao seu artigo, não trazendo em nada novos argumentos ao salutar debate inaugurado pelo autor do blog. Deixemos que a sociedade, e em particular cada cidadão individualmente, tire suas próprias conclusões.
Anderson Sobral de Azevedo
Juiz de Direito
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