Sua excelência tinha uns trejeitos que precediam qualquer avaliação sobre sua eventual cultura jurídica. Afetava-se até sem motivo, lançando desprezo sobre os mortais que não eram da sua conveniência. O casamento com uma advogada do lugar não conseguia abafar as vozes que sabiam do rififi que aprontara com ciúmes do oficial de justiça. Mas, a cidade, agora, estava excitada com o julgamento do militar que atingira as costas da esposa com um disparo. A vida em comum ainda tinha se escorado por alguns meses, mas, ao final, paraplégica, ele desertara da força e fugira. Preso, era o pescoço nas mãos dos jurados. Na praça, em frente à Câmara, faixas, cartazes, refrões, e a palavra ambígua de sempre: justiça; que, também, a exigia o defensor, mostrando como o disparo fora acidental, bem à frente de testemunhas. Em vão, pois o olhar decapitado da jovem vítima não permitiria outro veredicto. Condenado. O magistrado, por capricho, sacudiu a pena para as alturas, uns doze, quatorze anos, injetando indignação na defesa, que não conseguia engolir como alguém na terceira entrância não lembrava das aulas básicas de direito penal, e montou seu recurso, camuflando em poucas linhas o motivo principal do apelo, para testar os cuidados da acusação, que, nem ali, nem adiante, não veria nada a reparar; nada, mesmo, por desinteresse ou cegueira, ou mais que isso. Armava-se para o embate quando, antes das vésperas da sessão, querendo sentir os olhos da corte, agendou entrevista com a relatora. Experiente, ela adiantou: “É claro que eu vi, não sei como não viram. Sendo tentativa, a pena teria que ser reduzida de um a dois terços. Isto é elementar”. Dias depois, a defesa se expôs na tribuna, apenas para segurar os dedos nos olhos da acusação.
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