segunda-feira, 12 de abril de 2010

Fidelidade

Isolado, no meio do salão, o réu com a voz engolida, responde ao interrogatório. Sua excelência o recolhe e dita à escrivã. Nome? Fulano de tal. Idade? Vinte anos. Endereço? E assim por diante.

Franzino, imberbe, afeminado, golpeara a vítima para se salvar. A morte saíra de suas mãos, sem propósito. Um ano preso por homicídio e ocultação de cadáver, o protótipo do réu sem autoestima, sem autodefesa, sem bom futuro, uma montanha nos ombros do advogado nomeado que, só na véspera, o avistara. “Amanhã, perante os jurados, conte sua história com tranquilidade e firmeza; é disso que vamos precisar”.

Agora, o coitado é um tremetreme sob o peso das cerimônias. Súbito, mesmo a voz diáfana, esclarece. A vítima estava armada? No momento, não percebi. E depois? Não, não estava. Sua excelência dita. “A vítima não estava armada”.

O defensor apresenta suas vênias e pede que seja anotada a exata resposta do acusado. Sua excelência, a visível contragosto, repete a pergunta, para a mesmíssima resposta, e conclui com uma ponta de ironia. “Viu, a vítima não estava armada”.

Instado, o fiscal da lei acena, repuxando os lábios. “Sim, não estava armada.” Mais a defesa se inquieta. “Ora, são dois momentos distintos: percepção inicial e percepção final, e isso tem profunda implicação na dinâmica dos fatos. A resposta do réu não pode ser picotada.”

Com ares professorais, sua excelência se põe a recriminar a defesa, que não pode isso e não pode aquilo e, como se alugasse as colunas do Olimpo, enfezando-se, decreta: “Não aceitarei outra interrupção!”

Calmo, afastando-se do centro do palco, o defensor volta-se para Zeus e explica. “O interrogatório que não é fiel ao que diz o acusado, não pode ser por ele assinado. Este não assinaremos, excelência.”

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